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Tradição.

Caro presidente,

Eu ouvi as suas declarações ontem e discordo veementemente. O senhor disse que viados e travestis vem de famílias desestruturadas e são incapazes de formar suas próprias famílias. Era uma declaração em rede nacional, em um horário de ampla audiência e sua fala está sendo reproduzida repetidamente nas redes sociais. Você não se envergonha?

Eu me chamo Sara, tenho 18 anos e uma família. A minha mãe Luiza, meu pai Miguel e meu irmão Alex formam a minha família. Somos quatro seres humanos que vivem bem mesmo com as dificuldades da vida. Quando a minha mãe reencontrou o meu pai, eu tinha sete anos. Meu pai biológico, apesar de eu saber quem ele é, não representa tanto para mim quanto o meu pai. Esse cara que diz que se alguém o chamar de viado, para ele é um elogio. Meu pai é um homem cisgênero, mas em relação a sua sexualidade, ele é bissexual. Caso você não saiba, ele se relaciona com pessoas e não com mulheres. De qualquer forma, ele não se importa quando alguém olha para ele e diz que ele é viado. Isso não é um insulto para o meu pai ou para a nossa família. Ele é um homem incrível, uma pessoa incrível e me criou dos meus sete anos até hoje ao lado de minha mãe. Ele é uma das pessoas mais dedicadas que eu conheço. Meus pais não têm uma relação “convencional”, mas não somos uma família desajustada. Somos uma família incrível.

Quando ouvi sua declaração e seu riso de deboche ao fim, eu senti uma tristeza profunda. Não porque você estava atacando a minha família ou a família de outras pessoas que eu conheço. Eu senti a tristeza porque você estava falando de algo que, possivelmente, não sabe ou finge não saber. É o seu desconhecimento, sua escolha por desconhecimento, que faz com quem você agrida famílias como a minha. É o seu desconhecimento, o seu preconceito, que coloca pessoas LGBTQIA+ em risco. Você não tem vergonha?

Eu lhe escrevo para lhe contar a história dos meus pais, a história da minha vida, da minha família e espero que outras famílias que você julgou como desajustadas façam o mesmo. Você sabia que a maioria dos lares liderados apenas por uma mãe existem porque homens cis e héteros escolhem cometer abandono parental? Você sabia que pessoas trans são expulsas de casa ainda na adolescência?

Você deveria se envergonhar das violências que profere contra mulheres, contra pessoas negras, contra pessoas que você considera “menores” do que você. É a violência que nos desajusta, senhor, não os nossos afetos. Espero que o senhor repense suas ideias retrógradas e se disponha a conhecer o meu mundo. Nós existimos, presidente, apesar de você e da violência da sociedade.

Atenciosamente,

Sara Lima Souza

(Trecho da minha nova criação, baseado em uma família tradicional brasileira que muitas pessoas não reconheceriam enquanto família. Ela ainda está em construção, mas considerando o momento político atual, resolvi publicar o primeiro capítulo – mesmo com medo de sofrer com a violência por pensar contra o que está posto. Essa carta é uma ficção, mas infelizmente contem muitos elementos da realidade)

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Lados

Eu sinto sempre como há algo que não
Que não posso
Que não devo
Que não me é permitido

E ao mesmo tempo como se eu fosse sair do eixo, perder o controle, sair de quem eu sou

De outro lado, sinto que sou essa pessoa fora de eixo, de caixas, de mim
Que se assuma essas para ser quem se sente genuinamente naquele momento agora

Mas algo me prende
Me toma
Me rouba
Me nega
Me impede
Me engasga
Me trava

Super ego
Machismo
Conservadorismo
Patriarcalismo
Máscaras
Caixas

Chame do que quiser, eu sei desses
Eu estudo
Busco
Reflito
Mas sinto
Como se me segurassem as pernas
E meu corpo inteiro grita: corra
Mas e o medo? E o receio? E se eu estiver ouvindo o lado errado de mim?

@escrevemarilia