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Para além de gênero.

Presidente,

Eu sei que você deve estar pensando: “Aí que fedelha chata, só fala dessas coisas de gênero e sexualidade e tal!”. Eu ouço muita gente resmungando isso por aí. Discurso chato, mimimi e bla bla bla. Quer mais? Eu tenho para lhe dizer. Mas também preciso dizer que eu estou ciente de que essa espécie de pânico moral é uma estratégia muito bem estabelecida para alcançar pessoas das mais diversas. Eu posso ter 18 anos apenas, presidente, mas estou atenta ao mundo que me ronda. E o que mais está acontecendo no seu governo? Nós dois sabemos, não é mesmo? São tantas coisas que fica difícil citar tudo, mas gostaria de destacar uma das piores tragedias.

Estamos em 2022 e a COVID-19 é a sombra dos últimos anos, o luto complexo e coletivo do mundo. Desde 2019, nós vivemos com o país e o mundo assombrando por uma doença absurda. São quase 700 mil mortes apenas em nosso país, com uma população de 212,6 milhões de pessoas. Segundo as notícias, são 3.214 mortes a cada milhão de habitantes em nosso país. Existem mortes que poderiam ter sido evitadas e a responsabilidade é sua.

Quando a gente pesquisa sobre o seu governo e as mortes evitáveis encontra uma notícia do próprio senado que fala sobre a CPI da Pandemia. Vou copiar o início dela na integra porque posso estar falando para pessoas que distorcem informações e criam Fake News:

“Quantas das mais de 500 mil mortes por covid-19 poderiam ter sido evitadas no Brasil? De acordo com Pedro Hallal, epidemiologista e pesquisador da Universidade Federal de Pelotas, quatro em cada cinco mortes pela doença no país eram evitáveis caso o governo federal tivesse adotado outra postura — apoiando o uso de máscaras, medidas de distanciamento social, campanhas de orientação e ao mesmo tempo acelerando a aquisição de vacinas. Ou seja, de acordo com suas estimativas, pelo menos 400 mil pessoas não teriam morrido pela pandemia. Ele fez a afirmação nesta quinta-feira (24) durante audiência na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, da qual também participou Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil e representante do Grupo Alerta. (Fonte: Agência Senado)

Eu me lembro de você sem máscara por aí, rindo e incentivando o uso da cloroquina e outros remédios sem eficácia garantida. Você tripudiou. Cometeu absurdos. Aglomerou. Desqualificou a ciência. Há um atraso na compra de vacinas que não pode (e não deve) ser esquecido.  Há sangue em suas mãos.

Eu perdi a minha bisavó paterna pro covid. Um dos meus melhores amigos perdeu cinco pessoas da família. Minha mãe perdeu primas e tios. Todas as pessoas que eu conheço perderam alguém, mais próximo ou mais distante. O mundo perdeu muita gente, mas a gente perdeu muito mais considerando a falta de respeito com que você, que deveria liderar e ser exemplo pro país, tratou tudo.

Então, de novo, eu lhe pergunto: Você não tem vergonha?

Não, eu sei que não. Mas preciso acreditar que há alguma chance de reconhecimento, mesmo que mínima. Você posa como defensor da moral, da família, da verdade, do mundo sem corrupção. Mas o que você fez foi potencializar mortes por covid e também nos levar de volta ao mapa da fome (o que é uma segunda tragédia em um pais em luto). Enquanto você ri, ignora orientações mundiais e aglomera sem máscara, pessoas estão vivendo o seu luto dia após dia, com a certeza inquestionável que essa história poderia ter tido um final diferente. Estamos às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais de 2022, presidente. E eu espero e luto por um futuro diferente.

Atenciosamente, Sara Lima Souza

(Trecho da minha nova criação, baseado em uma família tradicional brasileira que muitas pessoas não reconheceriam enquanto família. Ela ainda está em construção, mas considerando o momento político atual, resolvi publicar uma segunda carta que compõe a narrativa. Essa carta é uma ficção, mas infelizmente contem muitos elementos da realidade)

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Tradição.

Caro presidente,

Eu ouvi as suas declarações ontem e discordo veementemente. O senhor disse que viados e travestis vem de famílias desestruturadas e são incapazes de formar suas próprias famílias. Era uma declaração em rede nacional, em um horário de ampla audiência e sua fala está sendo reproduzida repetidamente nas redes sociais. Você não se envergonha?

Eu me chamo Sara, tenho 18 anos e uma família. A minha mãe Luiza, meu pai Miguel e meu irmão Alex formam a minha família. Somos quatro seres humanos que vivem bem mesmo com as dificuldades da vida. Quando a minha mãe reencontrou o meu pai, eu tinha sete anos. Meu pai biológico, apesar de eu saber quem ele é, não representa tanto para mim quanto o meu pai. Esse cara que diz que se alguém o chamar de viado, para ele é um elogio. Meu pai é um homem cisgênero, mas em relação a sua sexualidade, ele é bissexual. Caso você não saiba, ele se relaciona com pessoas e não com mulheres. De qualquer forma, ele não se importa quando alguém olha para ele e diz que ele é viado. Isso não é um insulto para o meu pai ou para a nossa família. Ele é um homem incrível, uma pessoa incrível e me criou dos meus sete anos até hoje ao lado de minha mãe. Ele é uma das pessoas mais dedicadas que eu conheço. Meus pais não têm uma relação “convencional”, mas não somos uma família desajustada. Somos uma família incrível.

Quando ouvi sua declaração e seu riso de deboche ao fim, eu senti uma tristeza profunda. Não porque você estava atacando a minha família ou a família de outras pessoas que eu conheço. Eu senti a tristeza porque você estava falando de algo que, possivelmente, não sabe ou finge não saber. É o seu desconhecimento, sua escolha por desconhecimento, que faz com quem você agrida famílias como a minha. É o seu desconhecimento, o seu preconceito, que coloca pessoas LGBTQIA+ em risco. Você não tem vergonha?

Eu lhe escrevo para lhe contar a história dos meus pais, a história da minha vida, da minha família e espero que outras famílias que você julgou como desajustadas façam o mesmo. Você sabia que a maioria dos lares liderados apenas por uma mãe existem porque homens cis e héteros escolhem cometer abandono parental? Você sabia que pessoas trans são expulsas de casa ainda na adolescência?

Você deveria se envergonhar das violências que profere contra mulheres, contra pessoas negras, contra pessoas que você considera “menores” do que você. É a violência que nos desajusta, senhor, não os nossos afetos. Espero que o senhor repense suas ideias retrógradas e se disponha a conhecer o meu mundo. Nós existimos, presidente, apesar de você e da violência da sociedade.

Atenciosamente,

Sara Lima Souza

(Trecho da minha nova criação, baseado em uma família tradicional brasileira que muitas pessoas não reconheceriam enquanto família. Ela ainda está em construção, mas considerando o momento político atual, resolvi publicar o primeiro capítulo – mesmo com medo de sofrer com a violência por pensar contra o que está posto. Essa carta é uma ficção, mas infelizmente contem muitos elementos da realidade)

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Lados

Eu sinto sempre como há algo que não
Que não posso
Que não devo
Que não me é permitido

E ao mesmo tempo como se eu fosse sair do eixo, perder o controle, sair de quem eu sou

De outro lado, sinto que sou essa pessoa fora de eixo, de caixas, de mim
Que se assuma essas para ser quem se sente genuinamente naquele momento agora

Mas algo me prende
Me toma
Me rouba
Me nega
Me impede
Me engasga
Me trava

Super ego
Machismo
Conservadorismo
Patriarcalismo
Máscaras
Caixas

Chame do que quiser, eu sei desses
Eu estudo
Busco
Reflito
Mas sinto
Como se me segurassem as pernas
E meu corpo inteiro grita: corra
Mas e o medo? E o receio? E se eu estiver ouvindo o lado errado de mim?

@escrevemarilia

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Carta aberta a esperança

eu não queria ser você. não. não tendo que carregar sempre consigo os olhos mais bondosos de um mundo adoecido e ser sempre “a última que morre e a primeira que nasce”. eu não queria ser você, desse jeito que as coisas andam. são tantas noticias tristes, são tantos dias pandêmicos, são tantas incongruências. seria mais fácil apenas deixar levar, deixar seguir e ver no que ia dar. mas não, nobre guerreira, eis você firme e forte, renascendo umas dez milhões de vezes por dia em muitos seres humanos que conhecem o teu sabor. você é doce, querida, mas não á fácil te sentir. teu gosto some diante do amargor de notícias, de morte, desse genocídio, do não uso de mascaras, das aglomerações mesmo que mínimas que a maioria de nós, hipócritas, consolidamos aqui e ali. teu gosto é infantil, utópico, forte, maduro e ingênuo. teu sabor é de luzes de natal, estômago cheio, casa própria. há dias eu tento escrever e só sai a mesma coisa: até quando, querida? até onde vamos chegar? e assim, eu solto tua mão e me vou. você me pede para não desistir, mas como? meu corpo doi, meus olhos querem des(ver), meu corpo quer descansar, mas ao mesmo tempo grita. pois descansar nessa guerra civil parece privilegio para 1% do mundo. sei, não deve ser assim. mas como não ser? eu não queria ser você, esperança, mas sei que era tudo o que eu queria: ter você inabalável. mas, sorrio mesmo que fraco, se eu tivesse você a todo o tempo, você seria presente e não presença. você não seria você. então quero, mesmo não conseguindo, (ser) (ter) (sentir) você.

15/10/2021

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Home, sweet home.

E a gente que pensava que para amar, bastava muito mais que um tropeço de olhares e um roçar de lábios ávidos…
E a gente que sonhava com cavalos brancos, castelos, poesias e insensatos rompantes corrompidos, ausentes de razão…
Distraídos, caimos em outros caminhos enquanto os gatos do destino se entrelaçavam em nossas pernas e as teias de aranha, produzidas pelos vazios ensimesmados, se iam com a brisa leve da paixão. A queda – de um tanto longa – nos levou a um lugar incomum e escondido, repleto de lírios brancos e outros cantos recheados de pequenas margaridas.
De fato, no momento em que encontrei seus olhos, eles pareciam – de forma súbita – tão preenchidos de mim que o ar me escapuliu dos meus distraídos pulmões que ansiaram poder respirar teu hálito quente uma vez para todo o sempre, amém.
E a gente que esperava grandes balões voando no céu e promessas de “felizes para sempre”, caímos em um riso manso, num gostar tranquilo e convulsivo que, trôpego, corria em direção um ao outro, deixando de lado a razão, os cisnes, as fadas e a fantasia.
E a gente que esperava um grande pôr do sol e um casamento glorioso, nos demos as mãos e saímos a caminhar num mundo nosso, com cores que apenas você e eu saberiamos nomear.
E a gente que pensava num mundo novo, olhamos para tudo e sorrimos sozinhos enquanto meus lábios desenhavam minha vida nos teus, enquanto meu coração se acomodava, manso, em ti, certo de que finalmente encontrara o nosso lar, doce lar.



foto: Once Wed.

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O velho e o moço (de mim)

(enquanto ela não podia ver o mar, levei o mar para ela) 
*
Ora, se não sou eu
Quem mais vai decidir
O que é bom pra mim?
Dispenso a previsão!
Ah, se o que eu sou
É também o que eu escolhi ser
Aceito a condição
Vou levando assim
Que o acaso é amigo
Do meu coração
Quando fala comigo,
Quando eu sei ouvir…
(O velho e o moço – Los Hermanos)
*
Existem certos encontros na vida que por um bobo receio tentamos desviar. Existem momentos que a certeza do terminar nos impede de fugir no primeiro voo para longe. Assim foi o meu destino nessa sexta-sabado. Os olhos turvos não representam em si o todo, meu completo recordar me atualiza de mim e diz: “é tempo de futuro, mulher”. Quero a paz da minha cadeira, as raizes e folhas da minha arvore e a minha vida que eu escrevo quando me olho em mim e me permito cair em queda livre no abismo que magoa e, ao mesmo tempo, reconstroi. Um brinde ao que fazemos de nós a cada dia e aos sonhos que construimos ao ajudar (também) a reconstruir a dor do outro.
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Reflexos de domingo.

Little darling
The smiles returning to the faces
Little darling
It seems like years since it’s been here
Here comes the sun
Here comes the sun
And I say
It’s all right
Com sorte, o sol que brilhava em sua varanda permaneceria, aquecendo suas roupas no varal, retirando o cheiro de chuva da casa, levando com ele uma gama de sutis distrações semanais e desesperadamente não esperadas.
Em razão das bençãos dos deuses, haveriam roupas a lavar, almoço a preparar e visitas a fazer. Quem sabe até uma pitada de sossego e uma generosa fatia de bolo de chocolate. Ela ainda não sabia.
E enquanto o olhava dormir, apenas agradecia em silêncio. Com sorte, a sorte de viver ao seu lado se prolongaria, mesmo depois que o sol se despedisse, mesmo depois que as rugas tomasse os cantos distraídos do seu rosto.
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Faz algum tempo, ja nem me recordo quanto. Meus olhos se desviavam do obvio e o mundo se configurava um tanto quanto excessivamente turvo. Faz algum tempo e a miopia se abandonou de mim, mas restou aquele vago sentimento tropego de luta vencida e derrota eminente. Sábios os que sabem reconhecer o fim de uma guerra, cotidianamente outras tantas precisam continuar e enquanto o quebra-cabeça derrete aos poucos, fecho os olhos e peço um pouco de mim. Estou cansada de guerras em tempos tao repletos de assombros.

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Copo meio cheio.

Prefiro olhar para o meio cheio e tentar deixar de lado o meio vazio. o/

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Faz tempo que não tenho a sensação de ter sido nocauteada pela vida. E eu que pensava que nunca mais…